Por Robinson Cavalcanti
A visão da Igreja é do tamanho do seu Deus. Se nós somos criados a imagem e a semelhança de Deus, não apenas os pagãos, mas também os cristãos têm um Deus à sua imagem e semelhança. O Deus de suas projeções, de forte componente antropomórfico, a ser sintonizado com suas fraquezas e limitações. Não só a visão da igreja, mas também a sua missão, o seu comportamento, a sua presença e as suas idiossincrasias refletem o conceito de Deus que ela possui.
Alguns cristãos não conseguem olhar além de sua igreja local. É o que poderíamos denominar de eclesiologia tribalista.
Quatro paredes, uma comunidade centrada em si mesma, com seus matrimônios endogâmicos, suas festas, suas fofocas, suas tensões, mais parecendo uma cidadezinha do interior. Sua missão se resume em acrescentar cidadãos a essa “cidade”, isolando-os do mundo e do resto da cristandade. Todos os feitos positivos são os feitos da “minha igreja”. Alguns chegam ao extremo de realizar a Ceia do Senhor apenas para o próprio grupo. A contemplação da àrvore não permite enxergar a grandeza da floresta.
Outros cidadãos um pouco mais “abertos” conseguem enxergar além de suas igrejas locais. Conseguem enxergar a sua denominação, seja ela grande ou pequena. É o que poderíamos denominar de eclesiologia clânica. Uma família mais ampliada, o clã e o seu totem. A coleção das igrejas locais de sua denominação seria como a liga sacral das 12 tribos de Israel; ou tal “liga” seria o conjunto das igrejas evangélicas, e sua denominação seria uma das tribos. Circula-se no meio da denominação, conhece-se apenas as pessoas da denominação, trabalha-se somente para a expansão da denominação, promovendo os seus usos, seus maneirismos, seu dialeto, seus trejeitos e suas demais idiossincrasias.
Para o primeiro grupo, o Reino de Deus cabe dentro da sua igreja local; para o segundo, o Reino de Deus é um pouco maior: cabe dentro de sua denominação.
Mensageiros de ambos os grupos anunciam um Reino de Deus que cabe dentro do “coração” de cada crente. Deus reina sobre indivíduos isolados, na base do “cada um por si e Deus por todos”. O Reino, literalmente, está apenas “dentro de vós”.
É a visão intimista, individualista (e por que não dizê-lo, às vezes egoísta) do Reino, que nos lega o liberalismo burguês ocidental contemporâneo.
Outros mensageiros anunciam um Reino apenas para o outro mundo, para depois da morte. “Morra em Cristo e conhecerás o Reino”. Uma variação seria o Reino para o fim do mundo. O além do Reino é confundido com todo o Reino. A plenitude do Reino é confundida com todo o Reino.
Para esses cristãos “o mundo jaz no maligno” e não adianta fazer nada por ele. O mundo vai de mal a pior, e o que nos cabe é “salvar as almas”. O “mundo” para eles não é igual a estado de coisas, sistemas engendrados pelo pecado, estruturas pecaminosas, modelos anti-bíblicos. “Mundo para eles é o planeta terra, que Deus teria deixado sob a gerência de Satanás, salvo algumas ilhas, as igrejas, onde os salvos poderão obter, provisoriamente, abrigo diplomático“.
Esperava-se que o Messias implantasse o Reino – ensina um teólogo-e eis que ele nos lega a Igreja. A igreja termina por achar que é o próprio Reino ou passa a ter uma visão muito pequena do mesmo. A igreja pode até achar que não é o Reino, não se confunde com ele, mas é a sua vanguarda, sua agência, sua antecipação, sua presença histórica. Mas por ter um Deus pequeno, ou por ser medrosa (do risco do martírio), torna-se descrente de suas possibilidades e deriva para o platonismo, para o espiritualismo, para o subjetivismo, para o intimismo, para o sectarismo, para o denominacionalismo.
Deus reina sobre todo o Universo, sobre todo o planeta Terra, sobre a humanidade, sobre a história e sobre sua Igreja, reconheça-se ou não. Com o sacrifício de Cristo, a morte, o pecado e Satanás foram derrotados e a terra resgatada. O drama atual já tem um resultado previsível. O sacrifício de Jesus tem implicações cósmicas e históricas. Ele liberta as amarras da história. Ele liberta as amarras do conhecimento, permitindo que a ciência se multiplique na era da igreja até o fim, aceleradamente, incomparável a todo passado da raça humana. Conhecimento cientifico, que é a revelação natural do próprio Deus em beneficio do homem.
Ele liberta a consciência do ser humano da escravidão dos sistemas. O fato antinatural de que umas pessoas tenham domínio sobre outras pela escravidão, pela servidão, pela espoliação, passa a ser antinatural e não natural. Desigualdades não naturais são não naturais quando confrontadas com a ética da Revelação, com os valores do Reino de Deus, com o modelo moral do Éden e da Nova Jerusalém. O povo, as pessoas, tomam consciência da sua dignidade e passam a ser sujeitos de sua história, agentes de transformação, recriando os sistemas com alvos morais superiores, como sinbal do Reino.
Israel falhou em ser antecipação histórica do Reino: no culto, na moral e na organização sócio-politica-econômica. Por isso conheceu exílio e decadência. A igreja, “novo Israel”, substitui o velho Israel. Falhará também a Igreja em sua missão de antecipar o possível já do Reino? Terá razão certo pensador quando diz que o Reino poderá vir por meio da Igreja, sem ela ou, até então, contra ela?
Poderemos reclamar quando a nudez, a sede e a fome da humanidade estão sendo resolvidas por revoluções não cristãs ou anti-cristãs, porque falhamos em realizar, no concreto, a revolução do amor? Deus pode estar abençoando “missões” cujas as fontes financeiras são oriundas de investimentos em fábricas de armas, de tóxicos, ou de dizimo de iniqüidade (sobejo) obtidos pelo contrabando, pela sonegação e pela exploração da mão-de-obra?
Devemos orar “Venha o teu Reino”, nos esforçando para fazer, objetivamente, a sua vontade “na terra como no céu”.
O conhecimento cientifico nos mostra os fatos, a mensagem das Escrituras realiza o julgamento moral e as instituições sociais (partidos, sindicatos, associações) são os instrumentos da mediação entre a vontade moral e a mudança histórica na direção ou não dos valores do Reino (justiça, paz, honestidade, amor, alegria, liberdade, etc).
A Igreja evangélica no Brasil, anestesiada pela alienação, pelo medo, pela acomodação, pelos privilégios, pela “teologia caipira” norte-americana que nos afoga, parece ter perdido a visão do Reino e da sua responsabilidade em sua implantação. Enquanto isso Deus pode já estar usando “pedras” e “mulas”. Quando acordarmos do sono, da anestesia, pode já ser tarde demais.
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