Por Ariovaldo Ramos
A Igreja precisa tornar-se um lugar onde o morador da cidade encontre refúgio, comunidade, cooperação, identidade e segurança (Linha fina)
Em Jo 6.5-12, temos registrado a primeira multiplicação de pães. Aliás esse fato está registrado, também, nos sinóticos: Mt. 14.13-21, Mc 6.32-44 e Lc 9.10-17. É graças a essa abundância de informações que podemos montar o quadro todo.
1. Jesus recebera a notícia da morte de João Batista, e de que Herodes, agora, estava de olho Nele.
2. Simultaneamente, Jesus recebeu de volta os apóstolos, que, em dupla, havia enviado para pregar por todo Israel (Lc 9.1 -10). Os discípulos estavam exauridos. Foi, portanto, um dia exaustivo.
3. Jesus decidiu ir com os discípulos a um lugar à parte para descansar.
4. A multidão, entretanto, o seguiu, chegando lá antes do próprio Jesus.
5. Jesus compadeceu-se da multidão - viu-a como ovelhas que não tem pastor (Mc 6.34).
6. Ensinou-lhes muitas coisas.
7. Curou-lhes todos os enfermos.
8. Providenciou-lhes o alimento.
9. Ajuntou-os em grupos de 50 e de 100. Para que pudessem comer.
Essa sucessão de fatos nos traz preciosas lições:
1. A reação de Jesus, diante da presença da multidão no lugar que Ele havia reservado para descansar, foi inusitada. Ao invés de zangar-se, de dispensá-la para poder desfrutar do merecido descanso, Jesus compadece-se dela.
2. A compaixão de Jesus é ativa pois o leva a assumir-se como resposta às necessidades da multidão:* Cura todos os enfermos (Mt. 14.14)* Ministra-lhes o seu ensino, suas palavras de esperança (Mc 6.34)* Mata a sua fome. É interessante notar que esse milagre acontece numa situação de extremos: de um lado uma enorme multidão, só de homens havia cerca de 5.000. De outro, a escassez de recursos - apenas 5 pães e dois peixes.
Outra coisa interessante de se notar é que, diante de tal paradoxo, o Senhor Jesus, ao invés de fazer uma oração do tipo que arranca faísca do trono, o que sempre acontece quando estamos frente a semelhante situação, faz uma oração de agradecimento. Jesus parece estar dizendo: se esta é a provisão que Deus mandou, então esta provisão dá e sobra, assim, ao invés de pedir, agradeceu. (Jo 6.11).
Jesus acreditava no caráter de Deus: quando Deus dá o desafio dá também a provisão. Agora, a provisão pode parecer absolutamente insuficiente, porém, com este gesto, Jesus nos ensina: quem não sabe agradecer os recursos que recebeu, nunca verá a multiplicação dos mesmos.
Bem, talvez você esteja pensando: o que isto tem a ver com o título: "Uma abordagem à cidade"? É que pensamos que toda igreja que queira impactar a cidade tem de abordá-la como Jesus abordou a multidão (estamos nos permitindo certa liberdade no uso do texto), senão, vejamos:
1. Jesus foi ao sacrifício pela multidão. Sem uma dose de sacrifício não conseguiremos alcançar a cidade, pois, a mesma não respeita tempos nem horário. A cidade tem o seu próprio ritmo, quem quiser alcançá-la tem de se adaptar. Não dá para manter nossas tradições e agenda. É preciso assumir a dinâmica e o dinamismo da cidade se a quisermos atingir.
2. Jesus aceitou a multidão. A cidade está aí. A exemplo da multidão ela veio para ficar. Não adianta fingir que ela não existe ou tentar adaptá-la à nossa realidade. A igreja que quiser ganhar a cidade terá de abrir mão de sua cosmovisão rural, como diz Robinson Cavalcanti; ao invés de brigar com a cidade devemos aceitá-la como um dado. Está aí, com suas virtudes e seus desafios.
3. Jesus amou compassivamente a cidade.Se a igreja quiser impactar a cidade tem de compadecer-se dela. Tem de vê-la como um rebanho sem pastor. Tem de entender o processo de fome, que marca o relacionamento da cidade com os seus habitantes: gente que veio para a cidade em busca de alimento; de espaço social; de realização dos sonhos mais secretos. Gente que, hoje, além da fome que não foi mitigada, sofre da neurose da solidão; da competição; da falta de identidade; do medo; etc.
A igreja, portanto, precisa tornar-se um lugar de refúgio para o morador da cidade. Um lugar onde ele encontre comunidade, cooperação, identidade, segurança.
4. Jesus ensinou a multidão.A igreja precisa entender que o homem urbano perdeu os seus referenciais, os seus valores. A igreja tem de ajudá-lo a encontrar os verdadeiros valores, a encontrar Jesus, porém, de uma maneira que se coadune com o azáfama da cidade. Não adianta apresentar um estilo de vida que só pode ser vivido no campo. Por isso a igreja tem de desenvolver uma teologia da "urbi", que leve em conta sua realidade e carências.
5. Jesus curou todos os enfermos.A igreja tem de ver-se como fonte de cura. Isso implica em desenvolver uma comunidade terapêutica; em ter possibilidade de exercer o poder curador, sobrenatural, do Espírito Santo; em ter programas de assistência na área de saúde, usando bem os seus médicos, dentistas, enfermeiros.
6. Jesus satisfez a necessidade da multidão.A igreja tem de envolver-se com os famintos, os excluídos da cidade, tem de se ver como resposta de Deus para eles. A igreja que quiser impactar a cidade tem de gerar programa de desenvolvimento comunitário; de assistência aos moradores de rua, às crianças de rua, porém, não de forma paternalista. A igreja não deve querer gerar dependência e, sim, emancipação.
A igreja deve fazer isso como resposta à fé em Deus, com gratidão, lançando mão de seus recursos, independentemente da quantidade destes. Crendo, portanto, que Deus os multiplicará, tornando-se, conseqüentemente, cooperadora de Deus na multiplicação dos mesmos.
7. Jesus repartiu a multidão em grupos para que pudessem comer juntos.Acima, dissemos que a igreja tem de adaptar-se ao ritmo da cidade, porém, ao ritmo, não aos erros. A igreja não deve, jamais, conformar-se à cidade, ao contrário, deve ser fator de transformação. A igreja não pode, jamais, tornar-se um movimento de massas, onde pessoas entram e saem sem serem reconhecidas. O alvo da igreja é a humanização da cidade. Uma multidão não precisa ser um ajuntamento amorfo, um empurra-empurra numa competição pelo pão. Uma multidão pode ser um ajuntamento de comunidades - de grupos de pessoas que, juntos, compartilham do pão, isto é, de grupos de companheiros. A cidade também pode ser assim. Por isso a igreja deve envolver-se na criação de centros comunitários; na promoção de eventos que levem gente a conhecer gente. A igreja tem de ser agente de humanização da cidade, assim os homens verão as nossas boas obras e glorificarão ao nosso Pai, que está nos céus (Mt 5.16).
Parece-me que é isso que Jesus nos ensina...
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