
Bonhoeffer: teólogo, pastor e ativista
Em 9 de abril de 2010, comemora-se 65 anos do martírio do pastor luterano Dietrich Bonhoeffer (1906-1945). Nasceu numa família bem situada de intelectuais e servidores públicos, fazendo a opção pela carreira pastoral e acadêmica. Como estudante de teologia em Berlim, Roma, Barcelona e Nova Iorque tornou-se um competente teólogo, tendo sido responsável pelo seminário da Igreja Confessante, seminário estabelecido secretamente e ilegalmente nas florestas da Pomerânia. A Igreja Confessante foi criada por Bonhoeffer e outros teólogos e cristãos como Karl Barth e Martin Niemöller diante do conformismo e colaboração da igreja protestante alemã com o regime nazista. Ante a acomodação da maioria dos protestantes, ela reafirma a fé evangélica histórica e rejeita o nazismo e o racismo na Declaração de Barmen.
Com a ascensão do regime nazista e sua política de extermínio de judeus e outras minorias na Europa nas câmaras de gás e campos de concentração, Bonhoeffer colaborou com a resistência alemã, com o apoio de aliados internacionais, nos seus planos de um atentado contra Hitler a fim de evitar, assim, o Holocausto e a morte de milhões de inocentes na Segunda Guerra Mundial. Ele foi preso e morto pelo Nazismo no campo de prisioneiros de Flossenbürg (Alemanha) no dia 09 de abril de 1945, porque ousou resistir a um sistema totalitário que entronizava o Führer e a “raça” ariana no coração do povo alemão e avançava sobre a Europa em afronta aberta à lealdade e submissão a Deus.
A vida e o martírio de Dietrich Bonhoeffer se tornaram um símbolo da postura de santa intransigência diante das forças do mal que assaltaram o exercício do poder na Alemanha hitlerista e em outras partes do mundo. O que moveu Bonhoeffer a resistir e entregar sua vida ao martírio?
Participar no ser de Jesus: o sentido do discipulado
Qual o significado da fé para Bonhoeffer? Em poucas palavras, a participação no ser de Jesus que quer dizer atender ao seu chamado para o discipulado. E discipulado para ele tem um sentido bem preciso, qual seja, a libertação do ser humano de todos os preceitos humanos, de tudo quanto oprime, sobrecarrega, provoca preocupações e tormentos à consciência. Isto é, alguém que se submete ao jugo suave de Jesus Cristo, ao qual Bonhoeffer chama de graça preciosa: preciosa por custar a vida ao ser humano, e é graça por, assim, lhe dar a vida. Bonhoeffer está preocupado com o que ele entende ser a inimiga mortal da Igreja, a graça barata: pregação do perdão sem arrependimento, graça sem a cruz, sem discipulado, sem preço, sem custo; graça como doutrina, como sistema que nega a Palavra viva de Deus, a encarnação do Verbo de Deus.
Para ele, participar no ser de Jesus é comprometer-se, através do discipulado, exclusivamente com a pessoa de Jesus Cristo, um discipulado pessoal e obediente. Dizia Bonhoeffer: “Só o crente é obediente, e só o obediente é que crê. Apresentar a primeira frase sem a segunda constitui grave perda de fidelidade bíblica”. Obediência que aponta para a experiência de Jesus, de uma “existência em favor dos outros”.
Uma Igreja que serve olhando a partir de baixo
A presença da igreja no mundo não deve ser, para Bonhoeffer, uma luta para sua autopreservação como um fim em si mesmo, mas uma existência de serviço humilde e compassivo aos necessitados. Especialmente importante para ele é a idéia de que a palavra do evangelho através da igreja “obterá ênfase e força, não através de conceitos, mas pelo exemplo” (1Jo 2.6). Diz Bonhoeffer: “A igreja só é igreja quando ela está aí para os outros... A igreja deve participar das tarefas mundanas da vida social humana, não dominando, mas auxiliando e servindo” (Mc 10.45). A igreja tem de sair de sua estagnação e autopreservação e colocar sua estrutura e seus bens à disposição dos mais fracos. Com isso, Bonhoeffer estava criticando uma igreja que ostentava construções e estruturas que acabavam sendo um antitestemunho.
A pergunta que Bonhoeffer nos faz diante de um mundo em que milhões ainda morrem de fome e vivem na miséria, crianças e adolescentes são envolvidos em conflitos armados, seres humanos vivem privados de uma vida digna, famílias não têm acesso à água potável, eletricidade e saneamento básico; e o consumo dos países ricos e dos setores abastados dos países pobres ou “em desenvolvimento” está poluindo o planeta e comprometendo sua existência para as futuras gerações é: Onde estão as pessoas responsáveis, dispostas a sacrificar tudo e cuja vida nada pretende ser do que resposta à pergunta e ao chamado de Deus, quando forem chamadas à ação obediente e responsável?
Para Bonhoeffer, ser responsável e obediente ao chamado de Deus é aprender a olhar as pessoas menos pelo que fazem e deixam de fazer e mais pelo que sofrem, porque a única relação fecunda com as pessoas é a do amor, ou seja, a vontade de ter comunhão com elas, já que o próprio Deus não desprezou os seres humanos mas tornou-se ser humano por causa deles. Para isso, Bonhoeffer defende que aprendamos a olhar a história a partir de baixo, “da perspectiva dos excluídos, dos que estão sob suspeita, dos maltratados, dos destituídos de poder, dos oprimidos e dos escarnecidos, em suma, dos sofredores”.
Para haver conversão à obediência do discipulado e à identificação com os sofredores, segundo Bonhoeffer, é preciso reconhecimento de nossa culpa como início do processo de conformação à imagem de Cristo (Ef 4.13). Reconhecimento de que assistimos silenciosamente a espoliação e exploração dos pobres, bem como o enriquecimento e corrupção dos poderosos; reconhecimento de termos aspirado à segurança, sossego, paz, posse e honrarias, coisas a que não tínhamos direito, e que assim não refreou mas estimulou a cobiça das pessoas; reconhecimento de que vimos o arbitrário emprego da violência brutal, o sofrimento psíquico e físico de inocentes sem número, bem como opressão, ódio e assassinato, sem erguer a voz em seu favor, sem ter achado caminhos para socorrê-los...
Bonhoeffer sabia muito bem do custo de optar, a partir dessa tomada de posição, pela ação responsável, em obediência e fé por meio da graça preciosa, com liberdade que aproveita a oportunidade e se expõe ao perigo, e, por meio do compadecer-se autêntico, que não brota do medo mas do amor libertador e redentor de Cristo para com todos os que sofrem, criar espaço para o Evangelho no mundo. Fora essa ação responsável que lhe causou a prisão e o martírio por ordens de Hitler em 09 de abril de 1945, aos 39 anos de idade, dias antes da rendição das forças alemãs e o fim da Segunda Guerra.
Em 9 de abril de 2010, comemora-se 65 anos do martírio do pastor luterano Dietrich Bonhoeffer (1906-1945). Nasceu numa família bem situada de intelectuais e servidores públicos, fazendo a opção pela carreira pastoral e acadêmica. Como estudante de teologia em Berlim, Roma, Barcelona e Nova Iorque tornou-se um competente teólogo, tendo sido responsável pelo seminário da Igreja Confessante, seminário estabelecido secretamente e ilegalmente nas florestas da Pomerânia. A Igreja Confessante foi criada por Bonhoeffer e outros teólogos e cristãos como Karl Barth e Martin Niemöller diante do conformismo e colaboração da igreja protestante alemã com o regime nazista. Ante a acomodação da maioria dos protestantes, ela reafirma a fé evangélica histórica e rejeita o nazismo e o racismo na Declaração de Barmen.
Com a ascensão do regime nazista e sua política de extermínio de judeus e outras minorias na Europa nas câmaras de gás e campos de concentração, Bonhoeffer colaborou com a resistência alemã, com o apoio de aliados internacionais, nos seus planos de um atentado contra Hitler a fim de evitar, assim, o Holocausto e a morte de milhões de inocentes na Segunda Guerra Mundial. Ele foi preso e morto pelo Nazismo no campo de prisioneiros de Flossenbürg (Alemanha) no dia 09 de abril de 1945, porque ousou resistir a um sistema totalitário que entronizava o Führer e a “raça” ariana no coração do povo alemão e avançava sobre a Europa em afronta aberta à lealdade e submissão a Deus.
A vida e o martírio de Dietrich Bonhoeffer se tornaram um símbolo da postura de santa intransigência diante das forças do mal que assaltaram o exercício do poder na Alemanha hitlerista e em outras partes do mundo. O que moveu Bonhoeffer a resistir e entregar sua vida ao martírio?
Participar no ser de Jesus: o sentido do discipulado
Qual o significado da fé para Bonhoeffer? Em poucas palavras, a participação no ser de Jesus que quer dizer atender ao seu chamado para o discipulado. E discipulado para ele tem um sentido bem preciso, qual seja, a libertação do ser humano de todos os preceitos humanos, de tudo quanto oprime, sobrecarrega, provoca preocupações e tormentos à consciência. Isto é, alguém que se submete ao jugo suave de Jesus Cristo, ao qual Bonhoeffer chama de graça preciosa: preciosa por custar a vida ao ser humano, e é graça por, assim, lhe dar a vida. Bonhoeffer está preocupado com o que ele entende ser a inimiga mortal da Igreja, a graça barata: pregação do perdão sem arrependimento, graça sem a cruz, sem discipulado, sem preço, sem custo; graça como doutrina, como sistema que nega a Palavra viva de Deus, a encarnação do Verbo de Deus.
Para ele, participar no ser de Jesus é comprometer-se, através do discipulado, exclusivamente com a pessoa de Jesus Cristo, um discipulado pessoal e obediente. Dizia Bonhoeffer: “Só o crente é obediente, e só o obediente é que crê. Apresentar a primeira frase sem a segunda constitui grave perda de fidelidade bíblica”. Obediência que aponta para a experiência de Jesus, de uma “existência em favor dos outros”.
Uma Igreja que serve olhando a partir de baixo
A presença da igreja no mundo não deve ser, para Bonhoeffer, uma luta para sua autopreservação como um fim em si mesmo, mas uma existência de serviço humilde e compassivo aos necessitados. Especialmente importante para ele é a idéia de que a palavra do evangelho através da igreja “obterá ênfase e força, não através de conceitos, mas pelo exemplo” (1Jo 2.6). Diz Bonhoeffer: “A igreja só é igreja quando ela está aí para os outros... A igreja deve participar das tarefas mundanas da vida social humana, não dominando, mas auxiliando e servindo” (Mc 10.45). A igreja tem de sair de sua estagnação e autopreservação e colocar sua estrutura e seus bens à disposição dos mais fracos. Com isso, Bonhoeffer estava criticando uma igreja que ostentava construções e estruturas que acabavam sendo um antitestemunho.
A pergunta que Bonhoeffer nos faz diante de um mundo em que milhões ainda morrem de fome e vivem na miséria, crianças e adolescentes são envolvidos em conflitos armados, seres humanos vivem privados de uma vida digna, famílias não têm acesso à água potável, eletricidade e saneamento básico; e o consumo dos países ricos e dos setores abastados dos países pobres ou “em desenvolvimento” está poluindo o planeta e comprometendo sua existência para as futuras gerações é: Onde estão as pessoas responsáveis, dispostas a sacrificar tudo e cuja vida nada pretende ser do que resposta à pergunta e ao chamado de Deus, quando forem chamadas à ação obediente e responsável?
Para Bonhoeffer, ser responsável e obediente ao chamado de Deus é aprender a olhar as pessoas menos pelo que fazem e deixam de fazer e mais pelo que sofrem, porque a única relação fecunda com as pessoas é a do amor, ou seja, a vontade de ter comunhão com elas, já que o próprio Deus não desprezou os seres humanos mas tornou-se ser humano por causa deles. Para isso, Bonhoeffer defende que aprendamos a olhar a história a partir de baixo, “da perspectiva dos excluídos, dos que estão sob suspeita, dos maltratados, dos destituídos de poder, dos oprimidos e dos escarnecidos, em suma, dos sofredores”.
Para haver conversão à obediência do discipulado e à identificação com os sofredores, segundo Bonhoeffer, é preciso reconhecimento de nossa culpa como início do processo de conformação à imagem de Cristo (Ef 4.13). Reconhecimento de que assistimos silenciosamente a espoliação e exploração dos pobres, bem como o enriquecimento e corrupção dos poderosos; reconhecimento de termos aspirado à segurança, sossego, paz, posse e honrarias, coisas a que não tínhamos direito, e que assim não refreou mas estimulou a cobiça das pessoas; reconhecimento de que vimos o arbitrário emprego da violência brutal, o sofrimento psíquico e físico de inocentes sem número, bem como opressão, ódio e assassinato, sem erguer a voz em seu favor, sem ter achado caminhos para socorrê-los...
Bonhoeffer sabia muito bem do custo de optar, a partir dessa tomada de posição, pela ação responsável, em obediência e fé por meio da graça preciosa, com liberdade que aproveita a oportunidade e se expõe ao perigo, e, por meio do compadecer-se autêntico, que não brota do medo mas do amor libertador e redentor de Cristo para com todos os que sofrem, criar espaço para o Evangelho no mundo. Fora essa ação responsável que lhe causou a prisão e o martírio por ordens de Hitler em 09 de abril de 1945, aos 39 anos de idade, dias antes da rendição das forças alemãs e o fim da Segunda Guerra.
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