Rui Barbosa
Mas, senhores, se é isso o que eles vêem, será isto, realmente,
o que nós somos? Não seria o povo brasileiro mais do que esse espécimen
do caboclo mal desasnado, que não se sabe ter de pé, nem mesmo
se senta, conjunto de todos os estigmas de calaçaria e da estupidez, cujo
voto se compre com um rolete de fumo, uma andaina de sarjão e uma
vez d’aguardente? Não valerá realmente mais o povo brasileiro do que
os conventilhos de advogados administrativos, as quadrilhas de corretores
políticos e vendilhões parlamentares, por cujas mãos corre, barateada,
a representação da sua soberania? Deverão, com efeito, as outras na-
ções, a cujo grande conselho comparecemos, medir o nosso valor pelo
dessa troça de escaladores do poder, que o julgam ter conquistado, com
a submissão de todos, porque, em um lance de roleta viciada, empalmaram
a sorte e varreram a mesa?
Não. Não se engane o estrangeiro. Não nos enganemos nós
mesmos. Não! O Brasil não é isso. Não! O Brasil não é o sócio de clube,
de jogo e de pândega dos vivedores, que se apoderaram da sua fortuna, e
o querem tratar como a libertinagem trata as companheiras momentâneas
da sua luxúria. Não! O Brasil não é esse ajuntamento coletício de criaturas
taradas, sobre que possa correr, sem a menor impressão, o sopro das aspirações,
que nesta hora agitam a humanidade toda. Não! O Brasil não é
essa nacionalidade fria, deliqüescente, cadaverizada, que receba na testa,
sem estremecer, o carimbo de uma camarilha, como a messalina recebe
no braço a tatuagem do amante, ou o calceta, no dorso, a flor-de-lis do
verdugo. Não! O Brasil não aceita a cova, que lhe estão cavando os cavadores
do Tesouro, a cova onde o acabariam de roer até aos ossos os tatus-
canastras da politicalha. Nada, nada disso é o Brasil.
O QUE É O BRASIL
O Brasil não é isso. É isto. O Brasil, senhores, sois vós. O
Brasil é esta assembléia. O Brasil é este comício imenso de almas livres.
Não são os comensais do erário. Não são as ratazanas do Tesoiro.
Não são os mercadores do Parlamento. Não são as sanguessugas
da riqueza pública. Não são os falsificadores de eleições. Não são os
compradores de jornais. Não são os corruptores do sistema republicano.
Não são os oligarcas estaduais. Não são os ministros de tarraxa.
Não são os presidentes de palha. Não são os publicistas de aluguer.
Não são os estadistas de impostura. Não são os diplomatas de
marca estrangeira. São as células ativas da vida nacional. É a multidão
que não adula, não teme, não corre, não recua, não deserta, não se
vende. Não é a massa inconsciente, que oscila da servidão à desordem,
mas a coesão orgânica das unidades pensantes, o oceano das
consciências, a mole das vagas humanas, onde a Providência acumula
reservas inesgotáveis de calor, de força e de luz para a renovação das
nossas energias. É o povo, em um desses movimentos seus, em que
se descobre toda a sua majestade.
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