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terça-feira, 5 de outubro de 2010

A Visão dos Manda-Chuvas

Rui Barbosa

Se os manda-chuvas deste sertão mal roçado, que se chama
Brasil, o considerassem habitado, realmente, de uma raça de homens, evidentemente
não teriam a petulância de o governar por meio de farsanterias,
como a com que acabam de arrostar a opinião nacional e a opinião internacional,
atirando à cara da primeira o ato de mais violento desprezo, que
nunca se ousou contra um povo de mediana consciência e qualquer virilidade.

Para animar esses gozadores inveterados nas covardias do
egoísmo a esse rasgo de intrepidez contra os sentimentos de uma nação
inteira, justamente quando esses sentimentos se estão patenteando com
toda esta intensidade, havendo de supor que o vezo de se encontrarem
com um país de resignação ilimitada e eterna indiferença os acostumou
a verem nos seus conterrâneos a caboclada lerdaça e tardonha da família
do herói dos Urupês, a raça despatriada e lorpa, que vegeta, como os lagartos,
ao sol, madraçaria e lombeira dos campos descultivados.

O que eles vêem, sucedendo à idade embrionária do colono,
dobrado ao jugo dos capitães-mores; o que eles vêem, seguindo-se à época
tenebrosa do africano vergalhado pelo relho dos negreiros, é o período
banzeiro do autóctone, cedido pela catequese dos missionários à catequese
dos politiqueiros, lanzudo ainda na transição mal-amanhada, e susceptível,
pelo seu baixo hibridismo, das bestializações mais imprevistas.

Eis o que eles enxergam, o que eles têm por averiguado, o que
os seus atos dão por líquido, no povo brasileiro: uma ralé semi-animal e
semi-humana de escravos de nascença, concebidos e gerados para a
obediência, como o muar para a albarda, como o suíno para o chiqueiro,
como o gorila para a corrente; uma raça cujo cérebro ainda se não sabe
se é de banana, ou de mamão para se empapar de tudo que lhe embutam;
uma raça cujo coração ainda não se estudou se é de cortiça, ou de
borracha, para não guardar mossa de nada, que o contunda; uma raça,
cujo sangue seja de sânie, ou de lodo, para não sair jamais da estagnação
do charco, ou do esfacelo da gangrena; uma raça, cuja índole não parti-
cipe, sequer, por alguns instintos nobres ou úteis, dos graus superiores
da animalidade.

De outra sorte não poderia suceder que, precisamente quando
se trata do ato mais vital de uma nação, a escolha da cabeça do seu
governo, seja essa nação a que se elimine, para exercer as suas vezes o
lendeaço dos seus parasitas. De outro modo não se conceberia que, justamente
quando os mais obdurados e truculentos despotimos do mundo
rolam pelo chão, arrastando na queda os mais velhos tronos e as dinastias
mais poderosas, aqui, três ou quatro moirões de lenho podre até
o cerne, se ponham rosto a rosto com todas as expressões do sentimento
público, e as levem de vencida. De outra maneira não se explicaria
que, exatamente quando se anunciava aos quatro ventos um movimento
de regeneração dos costumes políticos, empenhados em corresponder à
grandeza das dificuldades com a grandeza dos exemplos, tudo se resolvesse
na comédia mais ignóbil, de que nunca foi testemunha a nossa
História. Não, senhores, de outro jeito não se explicaria que, quando todas
as nações andam à competência, no campo da honra, em dar, qual a
qual mais, em modelos ao universo atento, os seus maiores homens, as
suas maiores ações e as suas maiores qualidades, a política brasileira elegesse
este momento, para assombrar o mundo com a sua inveja, a sua
tacanharia, a sua corrupção e a sua cegueira; para juntar, aos olhos do
estrangeiro, em uma só cena, como representação da nossa mentalidade
e da nossa moralidade, um concurso de indivíduos, vícios e opróbios,
que obrigariam a corar o mais desgraçado e o menos sensível retalho da
humanidade.

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