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sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Critica da Idolatria do Mercado

Por Jung Mo Sung
  
Nos últimos anos, com a derrocada do bloco socialista e os avanços da revolução tecnológica presente nos países capitalistas ricos, temos sido bombardeados por duas ideias:

a)      A história chegou ao fim, ou seja, o segredo da história foi revelado: toda a evolução da história humana serviu para desembocar no sistema de mercado capitalista e não há alternativas;

b)      O mercado livre é a única salvação para nossa economia (defendida pelos neoliberais).

Essas ideias são duas caras de uma mesma moeda: a apresentação do mercado capitalista como grande e verdadeiro sujeito da história.

A ideia central dessa ideologia consiste no seguinte: problemas econômicos e sociais são frutos dos desmandos do Estado na economia, por causa dos desejos políticos e da burocracia do Estado de resolver os problemas sociais sem respeitar as leis do mercado. A culpa toda é do tamanho excessivo do Estado e dos políticos. A salvação, por outro lado, está na livre iniciativa, no sistema de mercado livre. Para eles a falência do bloco socialista é a prova definitiva da superioridade natural do capitalismo; de que não se pode querer ter metas sociais, não se pode querer planejar a solução dos problemas econômicos e sociais; de que não há saída fora da lógica do mercado. Alguns como Gianetti, professor de economia, chegaram a comparar essa transição econômica de uma economia com intervenção do Estado para a economia de total liberdade de mercado com a travessia do deserto na busca da terra prometida em que o grande desafio seria atenuar os sacrifícios da travessia. Passagem (Páscoa) e sacrifícios: dois temas centrais nas religiões, principalmente no judaísmo e no cristianismo.
Nesse mesmo tom religioso, a importante revista econômica The Economist disse que “o deus fracassado da economia de comando (socialista de modelo soviético) foi finalmente deposto” e que o moderno sistema de comunicação está transmitindo a “boa-nova da democracia liberal (capitalismo) para praticamente todos os cantos do globo”. Para eles o capitalismo é o deus eficiente que anuncia ao mundo o evangelho (a boa nova). E depois eles dizem que a economia não tem nada haver com religião! Mas o que é a lógica do mercado que é apresentado como boa-nova e o único caminho de salvação – com sacrifícios necessários, mas redentores -  para o paraíso chamado sistema de livre mercado?

O sistema de mercado capitalista tem duas características centrais:

a)      A produção é controlada pelas empresas privadas e destinada ao mercado para atender os desejos dos consumidores (os não consumidores, os pobres, os excluídos do mercado, não são levados em conta pelas empresas produtoras de mercadorias);

b)      O espirito que rege as relações dentro do mercado é o da concorrência, um regime de sobrevivência dos mais capazes. Isso significa na prática a exclusão dos “menos capazes”, dos que não têm as mesmas condições para concorrer com os mais fortes no mercado.

    O capitalismo promete o paraíso da abundancia de consumo. Para obter a satisfação de todos os desejos de consumo, eles prometem a superabundância de produção via a maximização do progresso técnico. Quanto mais técnica, mas produção e, portanto, mais satisfação de desejo de consumo (o capitalismo é um sistema materialista-consumista por excelência). Para a maximização do progresso tecnológico - o segredo dessa promessa – é necessário segundo eles, a absolutização da lógica da sobrevivência dos mais competentes e a exclusão/sacrifício dos menos competentes e dos mais pobres. Por isso, eles dizem que os sacrifícios impostos à população pobre são sacrifícios necessários.
Estamos num dilema: para se atingir o paraíso (a abundância de consumo) é necessário abandonar o espirito de caridade cristã, de solidariedade para com os mais fracos. Para se atingir o paraíso capitalista é preciso uma cultura de insensibilidade social, ou como disse o ex-ministro Roberto Campos, “uma mística cruel do desempenho e do culto da eficiência”. Mas como uma mística pode ser cruel? E como uma mística cruel pode ser algo bom? Mística é o caminho para o bem, a força que nos faz superar as tentações do pecado.
E qual é o principal pecado para os neoliberais? Para eles a causa fundamental e o principio dos males econômicos e sociais, ou seja, o pecado original em termos religiosos, é a pretensão de alguns economistas, políticos e lideres sociais de conhecer os mecanismos de mercado e, a partir disso, utilizar o Estado e organismos sociais para intervir, limitar ou dirigir os rumos da economia visando a solução dos problemas sociais.

Segundo Hayek, o pai do neoliberalismo, e seus seguidores, todas as tentativas de solucionar problemas sociais por meio de politicas sociais e econômicas que tiram a liberdade do mercado geram necessariamente mais problemas sociais e mais pobreza. Isso porque, para eles, toda intervenção no mercado só gera ineficiência econômica. Como eles identificam a eficiência com avanço social, ineficiência econômica significaria mais problemas sociais. Concluem que nós, os seres humanos, devemos abandonar o desejo de construir uma sociedade melhor por meio de ações sociais e politicas, tais como ações do Estado e da sociedade para diminuir a pobreza, a desigualdade social e desemprego.
O único caminho que nos resta é, segundo eles, ter fé na mão invisível do mercado e ver os sofrimentos dos desempregados e dos excluídos como sacrifícios necessários exigidos pelas leis do mercado. Por isso, essa mística, que deve nos ajudar a superar a tentação de fazer o bem – título de um romance escrito pelo guru dos gurus da administração, P. Drucker -, tem a aparência de cruel. Essa mística cruel vem acompanhada do culto, não ao Deus da misericórdia e da vida, mas do culto à eficiência do e no mercado.
É verdade que um sistema baseado na sobrevivência do “mais capaz” gera mais progresso técnico. O que não é verdade é que o progresso técnico seja sinônimo do progresso humano ou de uma sociedade mais humana. Quantidade de mercadoria produzida e consumida não é igual à qualidade de vida. Principalmente se levarmos em consideração que os pobres estão excluídos dos benefícios desse progresso técnico. Além disso, a obsessão para aumentar a produção em menor tempo possível acabará esgotando os recursos naturais e destruindo o meio ambiente que possibilita a existência da espécie humana.
Como a sociedade capitalista está fundada na ilusão de que o mercado é o único caminho para o paraíso, identificado como plenitude de consumo, o sacrifício dos pobres é apresentado como sacríficos necessários para a redenção da sociedade. Com isso, cria-se uma cultura da insensibilidade social, que possibilita aos integrados no mercado uma consciência tranquila diante dos sofrimentos dos pobres.
O mercado é apresentado como um ser supra-humano capaz de nos levar ao paraíso, exigindo para tanto sacrifícios necessários. A tradição bíblica sempre criticou a exigência de sacrifícios humanos em nome de instituições humanas divinizadas como uma forma de idolatria. E ainda hoje a idolatria é o nosso grande desafio pastoral. Não estamos diante de um mundo ateu ou secularizado, mas diante de uma idolatria do mercado.

Defender a vida dos que estão excluídos do mercado é a melhor forma de negar a idolatria do mercado. A solidariedade com os pobres é a melhor forma de vencer o cinismo que corrói por dentro a nossa sociedade. Precisamos da força e da luz do Espirito Santo para continuar anunciando com intrepidez a palavra de Deus (Atos 4.31), para proclamar que o mercado não deve ser a pedra angular da nossa sociedade, mas sim, o Jesus ressuscitado (cf. Atos 4.11), que continua se revelando na pessoa do nosso irmão que clama: “Tenho fome!”.

(SUNG, Jung Mo. Se Deus Existe Porque Há Pobreza? 2008. P. 76)
      


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