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sábado, 10 de dezembro de 2016

A Idéia do Desenvolvimento Natural da Religião

Por Abraham Kuyper
A Filosofia religiosa moderna atribui a origem da religião a uma potência da qual ela não poderia originar-se, mas que simplesmente agiu como seu patrocinador e preservador. Ela tem confundido o canhão que dispara a bala com a bala em si. A atenção é chamada, e muito propriamente, ao contraste entre o homem e o poder esmagador do cosmos que o cerca; e a nova religião é introduzida como energia mística, tentando fortalecê-lo contra este poder imenso do cosmos que lhe causa um medo mortal. Estando consciente do domínio que sua alma invisível exerce sobre seu próprio corpo material, ele naturalmente infere que a Natureza também deve ser movida pelo impulso de algum poder espiritual oculto. Animisticamente, portanto, primeiro ele explica os movimentos da natureza como o resultado da habitação de um exército de espíritos, e tenta pegá-los, invocá-los e subjugá-los em sua vantagem. Então, subindo desta idéia atomística para uma concepção mais compreensiva, ele começa a crer na existência de deuses pessoais, esperando destes seres divinos, que permanecem acima da natureza, assistência eficaz contra o poder demoníaco da Natureza. E, finalmente, entendendo o contraste entre o espiritual e o material, ele homenageia ao Espírito Supremo como estando em contraste com tudo que é visível, até, no fim, tendo abandonado sua fé em um tal Espírito extramundano como um ser pessoal e, encantado pela altivez de seu próprio espírito humano, prostra-se diante de algum ideal impessoal, do qual em auto-adoração supõe ser ele mesmo a venerável encarnação.

Quaisquer que possam ser os vários estágios no progresso desta religião egoísta, ela nunca supera seu caráter subjetivo, permanecendo sempre uma religião por causa do homem. Os homens são religiosos a fim de invocar os espíritos que pairam por trás do véu da Natureza, para libertarem-se da influência opressiva do cosmos. Não importa se o sacerdote Lama aprisiona os espíritos maus em suas cadeias, se os deuses da natureza do Oriente são invocados para proporcionar abrigo contra as forças da natureza, se os deuses mais sublimes da Grécia são adorados em sua ascendência sobre a natureza, ou se, finalmente, a Filosofia idealista apresenta o espírito do próprio homem como o verdadeiro objeto de adoração.

Em todas estas diferentes formas ela é e continua sendo uma religião promovida por causa do homem, visando sua salvação, sua liberdade, sua elevação, e em parte também seu triunfo sobre a morte. E mesmo quando uma religião deste tipo tem se desenvolvido em monoteísmo, o deus que ela adora invariavelmente permanece um deus que existe para ajudar o homem, para assegurar a boa ordem e a tranqüilidade do Estado, para fornecer assistência e livramento em tempos de necessidade, ou para fortalecer o mais nobre e alto impulso do coração humano em sua incessante luta contra a influência degradante do pecado.

A conseqüência disto é que toda religião como esta desenvolve-se em tempos de fome e pestilência, ela prospera entre os pobres e oprimidos, e expande-se entre os humilde e fracos; mas definha imediatamente nos dias de prosperidade, deixa de atrair o próspero, é abandonada por aqueles que são mais altamente cultos. Assim que as classes mais civilizadas gozam tranqüilidade e conforto, e pelo progresso da ciência sentem-se mais e mais libertas da pressão do cosmos, jogam fora as muletas da religião, e com um sorriso desdenhoso de tudo que é santo andam tropeçando em suas próprias pernas fracas. Este é o fim fatal da religião egoísta; - ela torna-se supérflua e desaparece assim que os interesses egoístas são satisfeitos. Este foi o curso da religião entre todas as nações não cristãs nos tempos primitivos, e o mesmo fenômeno está se repetindo em nosso próprio século, entre cristãos nominais das classes mais altas, mais prósperas e mais cultas da sociedade.

A Posição do Calvinismo sobre a Base da Religião

A posição do Calvinismo é diametralmente oposta a tudo isto. Ele não nega que a religião tem igualmente seu lado humano e subjetivo; não discute o fato de que a religião é promovida, encorajada e fortalecida por nossa disposição de buscar ajuda em tempo de necessidade e consagração espiritual diante de paixões sensuais; porém, sustenta que isto inverte a própria ordem das coisas para buscar, nestes motivos acidentais, a essência e o verdadeiro propósito da religião. O Calvinismo valoriza tudo isto como frutos que são produzidos pela religião, ou como âncoras que lhe dão apoio, mas rejeita honrá-los como a razão de sua existência. Certamente, a religião, como tal, produz também uma bênção para o homem, mas ela não existe por causa do homem. Não é Deus quem existe por causa de sua criação; a criação existe por causa de Deus. Pois, como diz a Escritura, ele tem criado todas as coisas para si mesmo.

Por esta razão, Deus mesmo imprimiu uma expressão religiosa no conjunto da natureza inconsciente, - nas plantas, nos animais e também nas crianças. “Toda a terra está cheia de sua glória”. “Grande é o teu nome, Deus, em toda a terra”. “Os céus proclamam a glória de Deus e o firmamento anuncia as obras de suas mãos”. “Da boca de pequeninos e crianças de peito tiraste perfeito louvor”. Fogo e saraiva, neve e vapor, e ventos procelosos – todos louvam a Deus. Mas, do mesmo modo como a criação toda alcança seu ponto culminante no homem, assim também a religião encontra sua clara expressão somente no homem que é feito à imagem de Deus, e isto não porque o homem a busque, mas porque o próprio Deus implantou na natureza do homem a verdadeira expressão religiosa essencial, por meio da “semente da religião” (semen religionis), como Calvino a define, semeada em nosso coração humano.

O próprio Deus fez o homem religioso por meio do sensus divinitatis, isto é, o senso do Divino, que ele faz tocar as cordas da harpa de sua alma. Um ruído de necessidade interrompe a harmonia pura desta melodia divina, mas somente em conseqüência do pecado. Em sua forma original, em sua condição natural, a religião é exclusivamente um sentimento de admiração e adoração que eleva e une, não uma sensação de dependência que separa e deprime. Do mesmo modo como o hino dos Serafins ao redor do trono é um clamor ininterrupto de “Santo, Santo, Santo!”, assim também a religião do homem sobre esta terra deveria consistir em um ecoar da glória de Deus, como nosso Criador e Inspirador.
O ponto de partida de todo motivo na religião é Deus e não o homem. O homem é o instrumento e o meio, somente Deus é o alvo aqui, o ponto de partida e o ponto de chegada, a fonte da qual as águas fluem e, ao mesmo tempo, o oceano para o qual elas finalmente retornam. Ser irreligioso é abandonar o propósito mais alto de nossa existência, e por outro lado não cobiçar outra existência senão a vivida para Deus, não ansiar por nada exceto a vontade de Deus, e estar totalmente absorvido na glória do nome do Senhor, isto é a essência e o cerne de toda verdadeira religião. “Santificado seja o teu nome. Venha teu reino. Seja feita tua vontade”, é a tripla petição, que dá expressão à verdadeira religião. Nossa senha deve ser - “Buscai primeiro o reino de Deus”, e depois disto, pense em suas próprias necessidades. Primeiro permanece a confissão da absoluta soberania do Deus Trino; pois dele, através dele, e para ele são todas as coisas. E por isso, nossa oração continua a mais profunda expressão de toda vida religiosa.

Esta é a concepção fundamental da religião mantida pelo Calvinismo, e até agora, ninguém jamais encontrou uma concepção superior, pois nenhuma concepção superior pode ser encontrada. O pensamento fundamental do Calvinismo, ao mesmo tempo o pensamento fundamental da Bíblia e do próprio Cristianismo, conduz, no campo da religião, à realização do mais alto ideal. A Filosofia da religião em nosso próprio século, em seus vôos mais ousados, não tem jamais atingido um ponto de vista superior nem uma concepção mais ideal.

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