Por Ricardo Quadros Gouvêa
O pensamento lógico-analítico, ou melhor ainda, o aspecto lógico-analítico da realidade cósmica é ele mesmo uma parte da diversidade do cosmo criado. Logo, não pode ser a origem do cosmos, o criador do cosmos, pois teria de criar a si mesmo. Considerar o pensamento lógico-analítico do ser humano como o produtor da diversidade cósmica é um posicionamento religioso, um a priori sem justificativa racional, pois significa destacar o aspecto lógico-analítico do cosmos criado e absolutizá-lo, determinando-o como o “arque” da experiência humana ordinária. É um ato religioso porque representa um posicionamento pressuposicional com relação à origem do sentido da vida e do mundo.
Para que o pensador chegue a uma compreensão da estrutura e sentido da realidade, é necessário que ele transcenda essa mesma realidade. É necessário, portanto, que ele encontre uma espécie de “ponto arquimedeano” no qual ele possa sustentar sua alavanca teórica. Este ponto arquimedeano não pode ser proveniente da própria especulação teórica, mas tem que transcendê-la. Esse ponto arquimedeano terá que transcender a própria experiência ordinária da realidade. Como isso é possível?
Tal ponto fixo externo a toda realidade e toda reflexão é impossível de ser obtido. E no entanto, sem ele é impossível continuar tentando qualquer reflexão ou tentando entender a realidade. Tal ponto arquimedeano é, portanto, objetível apenas paradoxalmente via uma experiência de auto-transcendência. Esse conceito, portanto, terá de ser um não-conceito, um conceito teórico não-teórico, uma experiência não experimentável, uma imanência transcendente, uma autotranscedência, isto é, um abandonar-se de si mesmo, um abandono do eu em direção do nada.
Em outras palavras, este não conceito é um conceito-limite, um conceito que chega, aponta e simboliza os limites da reflexão humana. É isto que Agostinho quis dizer quando disse “nossas almas não têm descanso até que descansam em Deus”. E foi isso que Kierkegaard quis dizer quando representou a fé como algo paradoxal, e o paradoxo como a paixão feliz da razão na qual ela se lança invariavelmente, mas sempre encontrando ali os seus limites intransponíveis.
O ponto arquimedeano da filosofia, segundo Dooyeweerd, é o próprio Jesus Cristo, a nova raiz religiosa do cosmos. É desta raiz que a humanidade redimida recebe a vida espiritual. Que a capacita para a palingênese cósmica. A palingênese ou reinício tem início com Jesus Cristo, o novo adão, o novo ser humano. Mas ela só se completa com a consumação, o fim da palingênese, Cristo como um em todos, o palingenoma. Esta é a esperança da plenitude do Reino de Deus, da Glória do Senhor ou Espírito do Senhor na completitude da história da salvação na mais plena reconciliação.
Este ponto arquimedeano não filosófico não teórico, não conceitual, mas religioso ou pístico, como limite da razão, estabelece o fim de sua autonomia e da sua supremacia. Porém, mais que isso, ele é também o ARQUÊ, o princípio fundamental de toda experiência humana e de toda reflexão filosófica. O arquê implica em origem, em finalidade, em fundamento e em regência. Este princípio tem que localizar-se além da realidade e além do pensamento teórico, na sua transcendência. Ele pode receber muitos nomes, mas os cristãos o chamam de Deus, vontade de Deus, Reino de Deus, soberania divina, poder divino, etc.
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