"E, se alguém cuida
saber alguma coisa, ainda não sabe como convém saber.
Mas, se alguém ama a Deus, esse é conhecido dele".
(1 Coríntios 8:2-3)
Mas, se alguém ama a Deus, esse é conhecido dele".
(1 Coríntios 8:2-3)
O mundo moderno foi construído a partir de bases filosóficas
racionalistas. Crê-se na supremacia da razão sobre outras faculdades humanas
igualmente importantes. Crê-se na autonomia da razão, na sua independência em
relação a estas outras faculdades humanas.
Além disso, crê-se ser possível deduzir verdades objetivas a
partir de proposições lógicas que são inferidas de outras proposições lógicas
até que se chega a axiomas que são aceitos como pressupostos do senso comum ou
coisa do gênero. Abraça-se a lógica aristotélica e a metafisica platônico-aristotélica
sem nunca se questionar se estes constructos teóricos humanos e pagãos não são
passíveis de crítica.
A partir daí erguem-se os grandes sistemas teológicos
racionalistas, as catedrais da mente, a teologia escolástica que tanto prazer
estético confere aos seus adeptos, mas que não são necessariamente condizentes
com uma existência e uma reflexão genuinamente cristãs.
Muito pelo contrário, os cristãos têm, tradicionalmente,
rejeitado a opção racionalista, abraçada igualmente por liberais e por
fundamentalistas, e reconhecido a dimensão misteriosa, enigmática, paradoxal,
mística e sobrenatural da vida e do mundo.
Além disso, o cristão reconhece os limites de sua mente, de
sua capacidade de compreensão, ainda mais quando se trata de Deus e sua obra.
Os extremistas, no entanto, sejam eles liberais,
fundamentalistas ou pentecostais, vangloriam-se na sua presunção
epistemológica, acham-se donos da verdade, guardiões da sã doutrina, capazes de
explicar os mistérios de todos os dogmas, da trindade à encarnação do Verbo, da
revelação à eleição, dos sacramentos às últimas coisas.
Estes supostos donos da verdade são capazes de expor com certeza
o sentido das passagens mais herméticas das Escrituras, seja porque receberam
uma revelação adicional, como é o caso às vezes entre os pentecostais, seja
porque aplicaram ao texto os cânones infalíveis da ciência, como acontece entre
os liberais, ou seja, porque adotam certos a-priores racionalistas que fazem da
hermenêutica uma espécie de ciência-exata, em que se aplicam fórmulas
cartesianas e chegam-se a resultados previsíveis.
Os fundamentalistas colocam as verdades dogmáticas acima das
verdades bíblicas e acham que estas últimas equivalem sempre as primeiras. O sistema
de doutrinas passa a ser o critério hermenêutico através do qual toda leitura
da Bíblia passa a ser feita. Em vez de valorizar as Escrituras, com sua
conversa fiada inerrantista, os fundamentalistas, na prática, humilham a
Palavra de Deus fazendo-a submeter-se aos dogmas da tradição e retirando da
Bíblia sua condição de instância última de apelação em questões de fé e de
prática. Em em vez de fazer da Bíblia o critério para a avaliação da tradição,
fazem da tradição dogmática o critério para a interpretação da Bíblia.
Tudo isso é presunção epistemológica. Nós temos a Palavra de
Deus, mas só Deus pode afirmar conhecer a interpretação correta de todos os
versículos da Escritura, e o resto é prepotência humana. Nós temos a tradição
doutrinária, mas só Deus possui em sua mente a verdadeira sistematização das
verdades eternas da sua revelação, o resto é pedantismo e vaidade.
O verdadeiro temor de Deus é reverencia diante do mistério e
espanto diante da profundidade da riqueza da sabedoria e do conhecimento de
Deus. Os extremistas de todo tipo acham que podem engarrafar a Deus e sua obra,
mas não podem. Isto não passa de soberba e presunção.
O mistério de Deus e sua obra são inerentes à fé. A rejeição
do mistério é uma atitude racionalista tanto dos liberais quanto dos fundamentalistas.
A tentativa de controlar, catalogar e fazer uso do mistério da fé é misticismo
emocionalista superficial dos carismatistas. Este controle de Deus é paganismo,
é uma forma de bruxaria. Feitiçaria é utilizar objetos e palavras mágicas para
controlar forças naturais e sobrenaturais. Muitas igrejas ditas evangélicas
estão fazendo justamente isto, transformando os objetos do culto e da devoção
em amuletos e fazendo das orações e louvores não mais que palavras mágicas para
o controle de Deus, de anjos e de demônios. Tudo isto é um lamentável engano,
uma exploração da crendice do povo inculto e uma afronta ao genuíno espirito da
reforma que combateu arduamente todas as formas de superstição cristã medieval
semelhantes a estas.
Os fundamentalistas, por outro lado, remetem-nos ao neo-escolasticismo
protestante, ele mesmo um desvio da reforma e um retorno ao escolasticismo
medieval , como modelo de reflexão teológica. Isto não pode continuar. É preciso
que retornemos à reflexão teológica sadia, criativa e acima de tudo bíblica dos
reformadores. Toda nossa reflexão teológica deve ser calcada nas Escrituras e
na missão sagrada da Igreja de Cristo. Toda tradição dogmática deve ser posta
em juízo diante da autoridade das Escrituras e da premência da missão.
A presunção epistemológica racionalista gera atitudes que
não são proveitosas, levando grupos de indivíduos a extremismos condenáveis. Precisamos
nos precaver contra isto cultivando um espirito de humildade e reverência
diante de Deus.
(Extraído do Livro: Piedade Pervertida)
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