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quarta-feira, 8 de abril de 2015

HUMILDADE NOÉTICA EM VEZ DE PRESUNÇÃO EPISTÊMICA

  
"E, se alguém cuida saber alguma coisa, ainda não sabe como convém saber.
Mas, se alguém ama a Deus, esse é conhecido dele".

(1 Coríntios 8:2-3)

O mundo moderno foi construído a partir de bases filosóficas racionalistas. Crê-se na supremacia da razão sobre outras faculdades humanas igualmente importantes. Crê-se na autonomia da razão, na sua independência em relação a estas outras faculdades humanas.

Além disso, crê-se ser possível deduzir verdades objetivas a partir de proposições lógicas que são inferidas de outras proposições lógicas até que se chega a axiomas que são aceitos como pressupostos do senso comum ou coisa do gênero. Abraça-se a lógica aristotélica e a metafisica platônico-aristotélica sem nunca se questionar se estes constructos teóricos humanos e pagãos não são passíveis de crítica.

A partir daí erguem-se os grandes sistemas teológicos racionalistas, as catedrais da mente, a teologia escolástica que tanto prazer estético confere aos seus adeptos, mas que não são necessariamente condizentes com uma existência e uma reflexão genuinamente cristãs.
Muito pelo contrário, os cristãos têm, tradicionalmente, rejeitado a opção racionalista, abraçada igualmente por liberais e por fundamentalistas, e reconhecido a dimensão misteriosa, enigmática, paradoxal, mística e sobrenatural da vida e do mundo.

Além disso, o cristão reconhece os limites de sua mente, de sua capacidade de compreensão, ainda mais quando se trata de Deus e sua obra.


Os extremistas, no entanto, sejam eles liberais, fundamentalistas ou pentecostais, vangloriam-se na sua presunção epistemológica, acham-se donos da verdade, guardiões da sã doutrina, capazes de explicar os mistérios de todos os dogmas, da trindade à encarnação do Verbo, da revelação à eleição, dos sacramentos às últimas coisas.   


Estes supostos donos da verdade são capazes de expor com certeza o sentido das passagens mais herméticas das Escrituras, seja porque receberam uma revelação adicional, como é o caso às vezes entre os pentecostais, seja porque aplicaram ao texto os cânones infalíveis da ciência, como acontece entre os liberais, ou seja, porque adotam certos a-priores racionalistas que fazem da hermenêutica uma espécie de ciência-exata, em que se aplicam fórmulas cartesianas e chegam-se a resultados previsíveis.


Os fundamentalistas colocam as verdades dogmáticas acima das verdades bíblicas e acham que estas últimas equivalem sempre as primeiras. O sistema de doutrinas passa a ser o critério hermenêutico através do qual toda leitura da Bíblia passa a ser feita. Em vez de valorizar as Escrituras, com sua conversa fiada inerrantista, os fundamentalistas, na prática, humilham a Palavra de Deus fazendo-a submeter-se aos dogmas da tradição e retirando da Bíblia sua condição de instância última de apelação em questões de fé e de prática. Em em vez de fazer da Bíblia o critério para a avaliação da tradição, fazem da tradição dogmática o critério para a interpretação da Bíblia.




Tudo isso é presunção epistemológica. Nós temos a Palavra de Deus, mas só Deus pode afirmar conhecer a interpretação correta de todos os versículos da Escritura, e o resto é prepotência humana. Nós temos a tradição doutrinária, mas só Deus possui em sua mente a verdadeira sistematização das verdades eternas da sua revelação, o resto é pedantismo e vaidade.
O verdadeiro temor de Deus é reverencia diante do mistério e espanto diante da profundidade da riqueza da sabedoria e do conhecimento de Deus. Os extremistas de todo tipo acham que podem engarrafar a Deus e sua obra, mas não podem. Isto não passa de soberba e presunção.

O mistério de Deus e sua obra são inerentes à fé. A rejeição do mistério é uma atitude racionalista tanto dos liberais quanto dos fundamentalistas. A tentativa de controlar, catalogar e fazer uso do mistério da fé é misticismo emocionalista superficial dos carismatistas. Este controle de Deus é paganismo, é uma forma de bruxaria. Feitiçaria é utilizar objetos e palavras mágicas para controlar forças naturais e sobrenaturais. Muitas igrejas ditas evangélicas estão fazendo justamente isto, transformando os objetos do culto e da devoção em amuletos e fazendo das orações e louvores não mais que palavras mágicas para o controle de Deus, de anjos e de demônios. Tudo isto é um lamentável engano, uma exploração da crendice do povo inculto e uma afronta ao genuíno espirito da reforma que combateu arduamente todas as formas de superstição cristã medieval semelhantes a estas.
   
Os fundamentalistas, por outro lado, remetem-nos ao neo-escolasticismo protestante, ele mesmo um desvio da reforma e um retorno ao escolasticismo medieval , como modelo de reflexão teológica. Isto não pode continuar. É preciso que retornemos à reflexão teológica sadia, criativa e acima de tudo bíblica dos reformadores. Toda nossa reflexão teológica deve ser calcada nas Escrituras e na missão sagrada da Igreja de Cristo. Toda tradição dogmática deve ser posta em juízo diante da autoridade das Escrituras e da premência da missão.


A presunção epistemológica racionalista gera atitudes que não são proveitosas, levando grupos de indivíduos a extremismos condenáveis. Precisamos nos precaver contra isto cultivando um espirito de humildade e reverência diante de Deus.  

(Extraído do Livro: Piedade Pervertida)



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