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quarta-feira, 13 de maio de 2015

OS TERREIROS DE JESUS: O Evangelicalismo e a Raça Negra no Brasil

O centenário da Abolição da Escravatura está ensejando, embora tardiamente, toda uma oportunidade para que a sociedade brasileira proceda uma ampla discussão sobre a questão negra, que resulte em uma substituição dos Mitos da História Oficial. Esses mitos, principalmente os da “escravidão benigna” e da “democracia racial” são veiculados pelos livros didáticos e pelos autores comprometidos com a ótica dos dominadores. Os cristãos evangélicos, por seu compromisso com a verdade como um dos valores éticos fundamentais, devem saudar este esforço e apoiá-lo, pois sendo esses mitos mentiras e, sendo o diabo o pai da mentira, essa falsa história tem uma dimensão satânica e pecaminosa.


A nossa escravidão nada teve de “benigna”. Milhões de negros morreram nos fétidos e promíscuos porões dos navios, já na travessia da África; morreram de maus tratos e torturas, morreram na repressão aos quilombos, morreram como (in) voluntários na Guerra do Paraguai. O sadismo nas relações senhores-escravos e os abusos e humilhações de natureza sexual (origem de nossa “morenidade”), conhecidos à luz dos documentos da época, clama aos céus e sensibiliza os cristãos em seu senso de justiça.   


A “generosa” Abolição resulta de um novo momento da história do capitalismo industrial em expansão, carente de um mercado consumidor de homens livres, onde a escravidão se constituía cada vez mais em um anacronismo. No caso brasileiro, não se concebe a Abolição proposta pelo Partido Liberal – o que incluía uma Reforma Agrária para que os negros tivessem uma gleba para recomeçar a vida – mas sim do Partido Conservador, que os torna livres para a miséria e a marginalidade.


Durante cem anos, a questão negra tem sido mal interpretada pelos teóricos da direita e da esquerda. Os da direita, com a afirmação de que a não ascensão dos negros não é uma questão de racismo, mas uma limitação socioeconômica (“negro rico vira branco”). Os da esquerda, que leram um Marx de uma Europa toda-branca caem em um reducionismo da luta de classes, menosprezando a variável racista. O negro que sobe no Brasil ainda é uma exceção. Em o fazendo, ele é visto como um “branco” de pele negra e não como um negro com valor intrínseco. Milhões de imigrantes brancos e amarelos ascendem socialmente no Brasil em uma ou duas gerações, porque, as portas dessa sociedade se lhes abrem mais facilmente do que a um negro. O negro para vencer tem que se “embranquecer”, “amorenar”, “desnegrecer”. É o clássico “apesar de”: “apesar de negro é uma boa pessoa, é inteligente, é trabalhador, etc”. é o “negro de alma branca”.


Não temos discriminações legais, mas vivemos no meio de preconceitos, cujo grande teste é a resposta a seguinte indagação: “Você que não é racista, se casaria com um negro, ou aceitaria que o seu filho se casasse com uma negra?” Assista às novelas e comerciais da televisão e veja os papeis atribuídos aos negros: eles continuam “no seu lugar”.


No campo religioso, tivemos a omissão, a conivência criminosa, o silencio culposo da Igreja Romana em relação à escravidão e a destruição da cultura negra. Entre os protestantes, tivemos uma postura abolicionista, influenciada por evangélicos ingleses. Uma vez abolida a escravidão, porém o comportamento protestante tem sido altamente questionável. Os missionários que aqui aportaram eram todos brancos, oriundos de igrejas monocolores (todo-brancas), principalmente do Sul daquele país, divididas das irmãs do Norte quando a Guerra da Secessão. Os padrões culturais aqui impostos foram os padrões brancos anglo-saxões.


Ninguém pode se esquecer que a experiência do Sul dos Estados Unidos, até bem pouco, e da África do Sul, ainda hoje, revelam um potencial racista em setores amplos da teologia fundamentalista. Uma das razões que levaram ilustre sociólogo brasileiro, recentemente falecido, a deixar o protestantismo foi a sua convivência, nos anos 20, com igrejas racistas nos Estados Unidos e o presenciar de um linchamento de um negro por piedosos diáconos daquelas igrejas, devotados militantes da Klu Klux Klan e da John Birch Society.


Todos nós somos chamados a uma meia culpa, a um arrependimento e a uma mudança de atitude. Não podemos, também, esperar, desde já, maturidade e moderação dos movimentos negros de hoje, quando experimentam uma organização e depois de séculos de marginalização e de ressentimentos. Mas ainda, depois de séculos de isolamento em relação às raízes africanas, inseridos compulsoriamente nesse país que, lusotropical ou o que seja, é, na verdade, muito europeu (desembarque em Lisboa, Madri ou Roma e veja o quanto europeus nós, brasileiros somos).


Esse distanciamento das raízes tem ocorrido para que haja uma tendência, entre os nossos negros, a associar a negritude com as manifestações religiosas afro-animistas e a ver no cristianismo uma religião do branco dominador, esquecido de que Jesus foi um asiático (nasceu na Palestina), foi refugiado politico na África (Egito) e que a Igreja começou no Oriente. Em virtude da colonização, para os nossos negros a África é aquela dos seus antepassados, mas que, em certo sentido, existe cada vez menos. Desconhecem a África de hoje, cada vez mais islâmica e cada vez mais cristã (o continente onde hoje mais cresce o cristianismo, principalmente o protestantismo).


Por outro lado, para muitos cristãos brancos, toda manifestação cultural africana é tida como “demoníaca” ou “intrinsecamente associada à macumba”. O preconceito etnocêntrico, a ignorância antropológica (que não sabe distinguir aculturação de sincretismo) e a deplorável falta de intercambio com as igrejas concorrem para o fortalecimento desse erro de visão. A África é cada vez mais cristã, sim, mas o cristianismo ali é cada vez mais africano, com sua reflexão teológica autóctone, com suas roupas, danças e ritmos.


A histórica repressão por parte dos brancos cristãos e a desafricanização dos convertidos, lamentavelmente, deixaram os negros, tantas vezes, sem outra saída a não ser o terreiro de candomblé como seu espaço social e cultural, de afirmação e preservação de identidade. A gigantesca expansão dos cultos afro-ameríndios no Brasil de hoje é um atestado do fracasso da estratégia missionaria transcultural crista na evangelização dos nossos negros.


Chama-nos a atenção o fato de que o maior sucesso na evangelização dos judeus norte- americanos tem sido o estabelecimento de Sinagogas Messiânicas: igrejas de judeus-cristãos que preservam sua cultura. Por analogia, para os islâmicos a estratégia poderia ser a mesma: Mesquitas Messiânicas. Por que não admitirmos que a evangelização dos nossos negros passaria pelo estabelecimento de Terreiros de Jesus: Cristocêntricos, bíblicos e, ao mesmo tempo africanos, onde os convertidos estariam entre os seus e como o seus, em sua vestimenta e alimentação, em sua alegria e musicalidade?


Como nas igrejas africanas hoje, aqui também os atabaques tocariam para Jesus.        
  

   

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